No post “O que faz um espaço público ser bem sucedido” vimos algumas características dos espaços públicos que mais atraem as pessoas e seus benefícios para todos que o frequentam. Mas agora a pergunta é outra: como transformar espaços públicos sem vida em lugares vibrantes?
A Project for Public Spaces identificou 11 princípios fundamentais para a transformação de qualquer espaço, seja ele uma praça, um parque, uma rua, uma calçada ou qualquer outro local de uso público. São eles:
1. O ESPECIALISTA É A COMUNIDADE
O ponto de partida para desenvolver um espaço público é identificar os talentos e ativos presentes na comunidade. Em qualquer comunidade há pessoas que podem fornecer uma perspectiva histórica do local, dar insights valiosos sobre os usos do espaço e até levantar os principais problemas ou a importância do local para quem é da região.
Resgatar essas informações no começo do processo ajuda a criar um senso de propriedade comunitária, que é positivo tanto para quem está desenvolvendo o projeto quanto para a comunidade em si.
- Identifique os talentos e as pessoas da comunidade que se interessam pelo espaço.
- Pergunte a eles qual é a sua visão sobre o espaço.
Quadro + painel com adesivos + parede com pergunta: formas práticas para entender necessidades e desejos da comunidade.
Imagem: Bela Rua
Veja o site da People Make Parks (em inglês) para mais ferramentas que você pode utilizar.
2. CRIE UM LUGAR, NÃO UM DESENHO URBANO
Se o seu objetivo é criar um lugar de encontros, pensar apenas no design não será suficiente. Para fazer com que um espaço pouco utilizado se torne um lugar vital de uma comunidade, os elementos físicos implementados devem se preocupar em fazer com que as pessoas se sintam bem-vindas e confortáveis no local. O objetivo é criar um lugar que tenha um forte senso de comunidade, um visual confortável e também que garanta atividades durante todos os dias da semana, em todos os horários – como fazer compras, comer, tomar um café, ler um livro, encontrar amigos, assistir a um show, etc.
- Implemente mudanças físicas que deixem o espaço mais convidativo e acessível, seja adicionando bancos, mesas, plantas e cor, como fazendo melhorias que facilitem e incentivem a circulação de pedestres.
- Incentive que os prédios ao redor do espaço tenham fachadas mais ativas e interessantes, colocando letreiros e detalhes que possam ser vistos por pedestres, janelas e vitrines que possibilitem ver o que acontece do lado de dentro, e até colocando mesas na calçada se for permitido – no caso de cafés e restaurantes.
- Liste o que pode ser feito no espaço por dia da semana e horário. Se houver horários com poucos usos, pense em formas de torná-los mais atrativos (shows, aulas de yoga, feiras?).
Mesas e cadeiras + plantas + fachadas ativas + ciclofaixa: ações realizadas por The Better Block em Dallas, EUA.
Imagem: The Better Block
Assista aqui à palestra (em inglês) do criador do The Better Block sobre o projeto.
Faça você mesmo: aprenda a utilizar materiais recicláveis para criar brinquedos, jardins, entre outros equipamentos com a Basurama.
3. ENCONTRE PARCEIROS
Ter parceiros é fundamental para garantir o futuro sucesso das melhorias a serem realizadas em um espaço público. Você pode ir atrás de parceiros bem no começo do projeto, para que eles também contribuam com ideias e cenários que eles mesmos poderão ajudar a implementar no futuro. Eles são importantes para dar suporte e tirar o projeto do papel. Os parceiros podem ser instituições locais, museus, escolas, entre outros.
- Identifique empresas, instituições e organizações presentes no bairro onde o espaço está localizado.
- Entre em contato com eles, explique sua intenção de realizar melhorias no espaço e faça encontros para estimular ideias e ações.
4. VOCÊ PODE VER MUITO AO OBSERVAR O ESPAÇO
Nós podemos aprender muito com os sucessos e falhas de outros espaços. Ao observar como as pessoas estão usando (ou não usando) um espaço público, você poderá descobrir o que elas gostam e não gostam – o que funciona e o que não funciona. Através das observações, ficará claro que tipo de atividades estão faltando e o que poderia ser incorporado. Depois de realizar as mudanças, continue observando o espaço para entender como melhorá-lo e mantê-lo ao longo do tempo.
- Observe como as pessoas usam o espaço em diversos horários e dias (se elas sentam, se ficam em pé falando ao telefone, se comem ou conversam). Os usos podem ser diferentes entre um dia e outro, pela manhã e à noite…
- Repare se as pessoas que permanecem no espaço estão sozinhas ou em grupo, se são mais homens do que mulheres, qual a sua idade. Quanto mais diversidade de pessoas um espaço tiver, melhor.
- À esquerda, William H. Whyte filma um espaço público para analisar seu uso.
- No centro, o livro The Social Life of Small Urban Spaces, onde Whyte explica suas técnicas de observação e pesquisa.
- À direita, imagem da Pershing Square, em Los Angeles, durante trabalho de observação com a Project for Public Spaces. Notamos que as pessoas buscam pela sombra em espaços estreitos, revelando a necessidade de a praça oferecer maior proteção ao sol.
Imagem Pershing Square: Jeniffer Heemann
5. TENHA UM VISÃO PARA O ESPAÇO
A visão deve vir de cada comunidade e ela contempla três pontos essenciais: 1) saber quais atividades podem ser oferecidas no espaço, 2) definir as intervenções que vão tornar o espaço mais confortável e atrativo, 3) garantir que tudo seja feito para que o espaço seja um lugar importante para as pessoas, um lugar onde elas queiram estar. A visão deve se preocupar em fazer com que as pessoas que vivem e trabalham no bairro sintam orgulho daquele espaço e se identifiquem com ele.
- Envolva as pessoas da comunidade na criação da visão para o espaço, através de brainstorms, oficinas e encontros. A visão deve servir para criar ou desenvolver a identidade do local.
- Depois de conversar com as pessoas do bairro e com os parceiros, você vai entender a história da região, seus valores e sua cultura. A visão virá dessas informações.
Oficina de pintura da Red OCARA, que busca entender o que as crianças desejam em um espaço público.
Imagem: Red OCARA
6. COMECE COM O BÁSICO: SIMPLES, RÁPIDO E BARATO
A complexidade dos espaços públicos é tão grande que é praticamente impossível fazer tudo certo de uma só vez. Os melhores espaços experimentam possibilidades fazendo melhorias de curto prazo, que são testadas e refinadas durante muitos anos. Instalações como bancos, café na rua, arte, faixas de pedestres e hortas comunitárias são exemplos de melhorias que podem ser realizadas em um curto espaço de tempo.
- Comece o projeto fazendo melhorias que possam ser implementadas em pouco tempo e com pouco dinheiro.
- Observe como as pessoas reagem a essas mudanças. Continue o que dá certo e modifique o que não dá.
Times Square, NYC: pintura e mobiliário móvel para fechar uma parte da avenida, a transformando em um espaço de lazer. A medida reduziu o número de acidentes de trânsito e aumentou o número de frequentadores.
Imagem: NYC Department of Transportation
Saiba mais sobre o modelo Simples, Rápido e Barato.
7. TRIANGULE
“Triangulação é o processo pelo qual alguns estímulos externos incentivam interações entre as pessoas e fazem desconhecidos conversarem como se eles se conhecessem”. – William H. Whyte
Em um espaço público, a escolha e a disposição de diferentes elementos pode colocar o processo de triangulação em ação – ou não. Por exemplo, se um banco, uma lata de lixo e um playground estão posicionados sem nenhuma conexão um com o outro, cada um pode receber um uso bem limitado. Mas quando eles são colocados juntos, com outros equipamentos como um carrinho de café, eles naturalmente vão fazer com que pessoas se aproximem e se relacionem.
- Posicione equipamentos de diferentes usos e públicos próximos uns aos outros.
- Observe a interação das pessoas e mude o posicionamento se necessário.
Jogos + shows + lojas + locais para sentar: diferentes atividades atraem diferentes públicos, e incentivam conversas e interações.
Esquerda: Melbourne, Australia. Fonte: theholidayplace
Direita: Brooklyn, New York, EUA. Fonte: Streetfilms
8. ELES SEMPRE DIZEM “ISSO NÃO PODE SER FEITO”
É inevitável: no processo de criar bons espaços públicos, você vai encontrar obstáculos. Criar “lugares”, na grande maioria das vezes, não é uma meta nem do setor público, nem do privado. Um engenheiro de tráfego, por exemplo, pode dizer que é impossível fechar uma rua apenas para o trânsito de pedestres – porque o seu trabalho é facilitar o trânsito de carros e não criar lugares de convivência social. Fazer implementações de pequena escala com a comunidade pode demonstrar a importância desses “lugares” e ajudar a superar os obstáculos.
- Antes de implementar uma mudança de forma permanente, faça um teste com a ajuda da comunidade. Por exemplo: em vez de fechar toda a rua para carros, feche apenas uma quadra durante um dia da semana.
- Converse com as pessoas e faça pesquisas para saber sua opinião sobre a mudança feita. Observe o uso e a interação das pessoas – entenda o que funcionou e o que não funcionou durante o teste, e faça ajustes.
- Use as informações coletadas (opiniões, observações de usos) para defender uma implementação permanente.
9. A FORMA DEVE DAR SUPORTE À FUNÇÃO
As ideias da comunidade e de potenciais parceiros, a compreensão de como outros espaços funcionam, a experimentação, e a superação de obstáculos e opositores vão servir para construir o conceito do espaço. Embora o design seja importante, esses outros elementos vão lhe dizer qual é a “forma” que você precisa para realizar a visão de futuro do espaço.
- Defina primeiro a função do espaço: seus objetivos e as atividades que vão ajudar a alcançar esses objetivos.
- Com base na função, pense no design do espaço: ele deve servir para realizar os objetivos e atividades propostas.
10. DINHEIRO NÃO É O PROBLEMA
Esta frase pode ser aplicada para uma série de situações. Por exemplo, assim que você implementa a infra-estrutura básica do espaço, os elementos adicionados para fazer o espaço funcionar (como cafés, flores e bancos) não são caros. Além disso, se a comunidade e outros parceiros estão envolvidos na programação e em outras atividades, esse envolvimento também pode reduzir os custos do projeto. O mais importante é que, seguindo estes passos, as pessoas ficarão tão entusiasmadas com o projeto que o custo não será considerado significativo quando comparado com aos benefícios.
11. VOCÊ NUNCA TERMINOU
Por natureza, bons espaços públicos atendem necessidades, opiniões e mudanças da comunidade. O que um dia foi positivo para o espaço público pode acabar se desgastando, as necessidades da comunidade podem mudar e diversos eventos não previstos podem acontecer em um ambiente urbano. É importante estar aberto à mudança e que o espaço tenha uma gestão flexível, que entenda que a mudança é o que constrói ótimos espaços públicos e cidades.
Texto de: Jeniffer Heemann e Paola Caiuby.
Este texto foi produzido com base no trabalho realizado com a Project for Public Spaces em fevereiro de 2015, apoiado pelo Edital CONEXÃO CULTURA BRASIL Intercâmbios, da SECRETARIA DE ECONOMIA CRIATIVA (SEC).